Na contemporaneidade, o termo “manipular” pode significar muitas coisas que envolvem a ação da mão, do fazer, do executar. Mas, também pode trazer o sentido de persuadir ou direcionar um pensamento. Tecnicamente falando, a palavra pode estar associada às mudanças produzidas em imagens através de processos manuais ou digitais e diferentes formas de alterações visuais.
No título desta exposição, a palavra é enfatizada no gênero feminino e conduz o espectador a perceber que não se trata de uma exposição nos moldes de criação tradicionais da arte, mas de manipulações em diferentes instâncias, sejam técnicas ou conceituais.
A produção de Aline Chaves se inicia com a apropriação de pinturas que representam mulheres na História da Arte entre os séculos XVI e XIX, feitas por artistas homens, e na sua maioria, desconhecidos do grande público. Essa investigação realizada ao longo dos últimos anos em livros e sites de museus gerou um banco de imagens provocativas sob o ponto de vista da artista, onde “tudo são flores” e todas as mulheres seguem uma linha bem comportada, condizente com a época em que foram criadas.
Para a artista, o sentido de manipulação não está apenas no fazer, mas na representação feminina das imagens originais, num lugar de destaque ambíguo nas suas várias épocas: a arte decorativa de casas abastadas e o papel social secundário ocupado pelas mulheres, anônimas, mas importantes para o contexto de quatro paredes. Essa imagens ganham novos sentidos na ação da artista em mesclar signos contrastantes com o universo feminino, de forma sarcástica: os estereótipos atribuídos à mulher, a delicadeza das flores, a violação do corpo, o apagamento da identidade feminina e a morte disfarçada pela estética da beleza, tudo isso sutilmente recortado e colado com a precisão cirúrgica de um bisturi tecnológico e uma vez prontas, impressas sobre papel.
As obras que compõem o conjunto da exposição Manipuladas são produtos contemporâneos, imagens recriadas para gerar novos sentidos, conceituais e matéricos, indo muito além das representações originais. Usar as tecnologias digitais, hoje, é como usar o pincel e a tinta em séculos anteriores: os instrumentos são apenas parte do processo. O que está em jogo é o que entende-se por manipulação, seus questionamentos e suas implicações.


Silvana Boone
Curadora da exposição e professora
na Universidade de Caxias do Sul
Muito tempo atrás eu li uma piadinha (ruim) que dizia: “o homem não deve confiar na mulher, porque não se pode confiar em um animal que sangra por 5 dias sem morrer”.
Essa frase ridícula me marcou muito. Tem um pouco de morte e vida em cada ser humano, mas é negado a quem se entende como mulher exercer sua força sem que isso seja uma ameaça ao homem.
O meu despertar enquanto mulher, dentro da sociedade patriarcal em que vivemos, aconteceu muito antes do meu desenvolvimento enquanto artista. Mas, foi através da arte que encontrei um meio de discutir sobre esse assunto e incentivar homens e mulheres a refletirem sobre os papeis de gênero na sociedade.
Em Manipuladas, me aproprio de retratos de mulheres que tiveram suas imagens controladas pelos homens que as representaram ao longo da história da arte. Peço suas formas emprestadas para as manipular novamente, dessa vez de forma digital. Crio novas imagens sob uma nova ótica: a minha, enquanto mulher.
O resultado é um contraste entre a imagem da mulher e seu papel, entre belo e grotesco, entre arte clássica e contemporânea.
Entre vida e morte.

Aline Chaves
artista/estudante/mulher
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